Pensamentos líquidos 103

Intensidade

Estou cá, mas não estou. Entre um artigo da Economist que devo ler para me inspirar para um trabalho que devo fazer e a entrevista do Lobo Antunes à Y, perco-me. Entro no mundo de quem gosto de ler. No seu mundo hermético com poros enigmáticos.

Entro, incógnita, por um desses poros. Não me faz sentido nenhum (algum) ter que ler sobre rendibilidade e alteração da composição do financiamento dos bancos, quando há o Lobo Antunes. Adoro Lobo Antunes “to pieces”. Adoro esta sensação. Vivo para este fascínio por temas, por verdades. Mas às vezes está tão longe e eu sobrevivo esquecida do importante. Nem sempre se está preparado para o importante. Porque o importante tem que excitar como louco, o importante tem que causar uma inquietude de fazer doer. A intensidade do interesse.

Às vezes penso nos momentos. Nesses momentos. Em que senti essa “coisa”, essa excitação pelas ideias. Não há nada como essa intensidade de partilha. Tenho medo.

Porque cada vez acontece menos. Menos. Menos. É tão raro. Mas. Hoje aqui, a tentar trabalhar, mas excitada com uma entrevista. Uma entrevista. Frases soltas, quase incoerentes. Mas, ah, a excitação. Adoro esta intensidade excitada por ideias quando vêm dentro de pessoas. Só podem aparecer dentro de pessoas. Umas quantas. Tão poucas. As pessoas da partilha. Da verdade. As pessoas sem histórias.

Este é o sentimento raro que se opõe ao tédio. Talvez seja a sua raridade que lhe traz a preciosidade, o valor. Mas viveria melhor, viveria em plenitude, se pudesse ter estes laivos de intensidade diariamente. Como agora, por exemplo, em que escrevo. Escrevo sem objectivo. Escrevo sem motivo? Mas escrevo porque preciso. Escrevo pela excitação de compreender a excitação sentida. E escrevo. Escrevo. Escrevo estas palavras que vão pingando dos meus dedos. Adoro escrever a esta velocidade louca, de quem não quer perder ideias, palavras. Ideias. De não perder a excitação.

Mas a excitação é fugaz. Voa. Voa. Etérea. E eu esforço-me para a agarrar com as minhas palavras.

Lobo Antunes chamar-me-ia patética se lhe contasse isto. Teria razão.


«Também torce o nariz a que lhe falem de personagens, a propósito deste último livro (de qualquer um).
- São símbolos de verdades mais profundas, não são pessoas. O que interessa são as palavras. Se eu quisesse contar histórias, contava. »
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